Flexibilização de metas não trouxe bons resultados

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Autor(es): Por Cristiano Romero

Valor Econômico – 31/10/2012

 

Várias economias emergentes aproveitaram a crise mundial de 2008 para reduzir juros. Alguns países fizeram isso flexibilizando a aplicação do regime de metas para inflação. Infelizmente, quatro anos depois, os resultados, na maioria deles, não são positivos. A inflação aumentou e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu.

Em agosto de 2008, um mês antes do aprofundamento da crise, a Turquia tinha uma taxa de juros nominal maior que a brasileira na ocasião – 16,75% ao ano. Naquele ano, a economia turca cresceu 0,7%. No ano seguinte, o da ressaca da crise, o PIB encolheu 4,8%. Assim como fizeram os brasileiros, os turcos aproveitaram a janela de oportunidade aberta pela turbulência mundial para derrubar os juros.

A diferença entre as duas experiências é que o banco central da Turquia, embora também tenha começado a diminuir os juros de forma gradual, em dezembro de 2008 acelerou o processo. Derrubou a sua “policy rate” de 16,75% em agosto de 2008 para 6,5% ao ano em novembro de 2009. Desde agosto de 2011, o juro básico da economia turca está em 5,75%.

O que se diz é que, ao ousar na queda dos juros, a Turquia fez um experimento que deu certo, um exemplo para países como o Brasil. Diminuiu os juros na marra, manteve oficialmente o regime de metas, embora na prática o tenha abandonado

Inflação subiu e PIB caiu nos países que abandonaram regime

Em 2008, a inflação da Turquia foi a 10%. Ao contrário da maioria das economias emergentes, o país não cresceu (o PIB avançou mísero 0,7%) e, mesmo assim, amargou índice de preços ao consumidor de dois dígitos. No ano seguinte, apesar da forte queda do PIB (-4,8%), a inflação continuou alta (6,5%).

Sem dar bola para o regime de metas, em 2010 a Turquia conseguiu acelerar o PIB (crescimento de 9,2%) e a inflação repetiu o resultado do ano anterior (6,4%). Em 2011, o banco central baixou os juros novamente e o PIB teve novo crescimento acelerado (8,5%). A inflação, entretanto, voltou a dois dígitos (10,4%). Neste ano, as notícias não são nada boas: a inflação, nos 12 meses até setembro, está em 9,19% e o PIB, de acordo com estimativa do FMI, crescerá apenas 3%.

Nos dois anos de crescimento acelerado, a Turquia apresentou efeito colateral que, no Brasil, assusta até os economistas mais liberais: o déficit em conta corrente explodiu. Em 2010, foi a 6,4% do PIB e, no ano seguinte, a 10% do PIB. Estima-se que, em 2012, recuará para 7,5% do PIB, um valor ainda bastante elevado – o do Brasil, no ano passado, limitou-se a 2,1% do PIB.

Em 2008, a meta de inflação da Turquia foi de 4%. Quando iniciou o movimento de queda dos juros, o BC turco teve a preocupação de ajustar a meta para um patamar mais condizente com a política de tolerância com a carestia. Apenas por causa disso conseguiu cumprir a meta de 2009 e 2010. Em 2011, a meta foi reduzida para 5,5% e a inflação foi quase o dobro disso. O objetivo de 2012 (5%) também não será cumprido.

A Turquia pode ser considerada, portanto, um modelo para o Brasil? A resposta é não. Lá, o juro é negativo em termos reais, mas a inflação é crescente e o crescimento do PIB, diminuto. Em algum momento, o juro terá que subir para segurar os preços, a não ser que o país opte por crescer pouco por tempo indeterminado.

A África do Sul, outra nação que adota o regime de metas, também não tem muito o que comemorar. Os juros caíram, desde 2008, de 12% para 5% ao ano, taxa adotada em julho de 2012. A inflação tem sido pronunciada – 10,1% em 2008, 6,3% em 2009, 3,5% em 2010 e 6,1% em 2011 – e o crescimento do PIB, decepcionante – respectivamente, 3,6%, -1,5%, 2,9% e 3,1%. Em 2012, a inflação em 12 meses até setembro já estava em 5,5% e o PIB deve avançar apenas 2,6%.

A situação inflacionária sul-africana só não é pior porque o BC segue uma meta elástica – de 3% a 6%. Note-se que se trata de regime diferente do brasileiro. Aqui, a meta é 4,5%, com tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. A ideia de que a inflação a 6,5%, como em 2011, está na meta é eufemismo de autoridade que tenta justificar o descumprimento do objetivo.

O México também atacou os juros altos durante a crise, ao reduzi-los de 8,25%, patamar de dezembro de 2008, para 4,5%, valor desde julho de 2009. A inflação, nesse período, esteve persistentemente acima da meta de 3%: 6,5% em 2008, 3,6% em 2009, 4,4% em 2010 e 3,8% em 2011. A variação do PIB não empolgou: respectivamente, 1,2%, -6%, 5,6% e 3,9%.

Dos países emergentes que fizeram experimentos durante a crise, o Chile talvez seja o exemplo bem-sucedido. O banco central chileno elevou o juro básico na véspera da turbulência de 2008 – para 8,25% ao ano – e começou a reduzi-lo em janeiro de 2009. Desde janeiro deste ano, o juro está em 5% ao ano.

Ao contrário do que ocorreu nos países mencionados, o Chile baixou o juro, aumentou a taxa de crescimento e segurou os preços. Entre 2008 e 2011, a inflação recuou de 7,1% para 4,4%, enquanto o PIB saltou de uma expansão anual de 3,1% para 5,9%. Em 2012, a expectativa é de crescimento de 5% para uma inflação de 2,5%.

Qual é o segredo do Chile? Um deles é não ter abandonado o regime de metas – no período, o país manteve a meta de inflação em 3% e a cumpriu na maior parte do tempo. Outra explicação do sucesso é a política fiscal anticíclica. Nos tempos de bonança, caso típico de 2008, o governo economizou mais do que gastou (4,1% do PIB, pelo conceito nominal) e, nos de ruína (como na recessão de 2009), gastou mais do que arrecadou (os mesmos 4,1% do PIB).

A exemplo desses países, o Brasil também fez o experimento do corte acentuado de juros em 2009, mas a adoção pelo governo de uma política fiscal pró-cíclica ainda em 2009, quando a economia já havia se recuperado, fez o BC abortar o processo. Aproveitando nova janela de oportunidade, o BC cortou o juro de forma mais contundente e avisou que o manterá no patamar atual (7,25% ao ano) por período prolongado.

Os resultados até agora não são brilhantes – o PIB segue patinando e a inflação parece ganhar fôlego. Para funcionar adequadamente, o regime de metas exige disciplina fiscal e câmbio flutuante. Nem uma coisa nem outra estão funcionando. Ademais, o governo segue com a ideia, equivocada, de que inflação e meta mais altas permitem um avanço mais rápido da economia.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras