Vitória reforça aposta do Brasil no multilateralismo

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Autor(es): Por Sérgio Leo | De Brasília

A eleição do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo à diretoria-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) é simbólica: pela primeira vez, um candidato de país emergente terá direito a um mandato completo na principal instituição reguladora das relações comerciais internacionais; e isso acontece ao mesmo tempo em que o Brasil comanda a instituição encarregada do combate à fome no mundo, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, da sigla em inglês), com José Graziano.

Com uma política externa de perfil bem mais discreto que a de Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff terá, com Azevêdo, a oportunidade de demonstrar uma das teses de sua diplomacia, a de que o Brasil, uma das maiores potências emergentes, tem qualificação para acomodar os interesses dos países desenvolvidos, em desenvolvimento e menos desenvolvidos, de forma a garantir uma ordem internacional mais justa e equilibrada. Na prática, caberá a Azevêdo provar que a OMC, hoje desacreditada, pode promover o comércio como alavanca para o desenvolvimento mundial.

Em jogo está a aposta brasileira pelo multilateralismo, a criação de regras globais respeitadas por todos para conciliar interesses divergentes no plano internacional. O cenário internacional, de incerteza e desagregação, não é o mais favorável, e o governo brasileiro é criticado por ter dirigido mais esforços às negociações multilaterais de comércio, na OMC, em lugar dos acordos bilaterais e plurilaterais, em que grupos de países têm negociado a derrubada de barreiras a comércio e investimento.

A Rodada Doha de liberalização comercial, iniciada em 2001, chegou a um impasse. Em dezembro, os membros da OMC tentarão chegar a um acordo prévio, que reduza barreiras técnicas e alfandegária a importações e, se aceita a proposta do Brasil, discipline, pelo menos, a concessão de cotas às importações agrícolas.

Azevêdo pautou parte de sua campanha no argumento de que é o mais preparado para garantir o êxito em Bali. O Brasil tem população e território extenso, com abundância de recursos naturais e uma complexa estrutura industrial, ameaçada pela perda de competitividade. Os grupos de pressão na economia doméstica e a variedade de interesses praticamente exigem soluções multilaterais, como maior disciplina nos fatores que influenciam o comércio mundial, entre eles os subsídios e a proliferação de barreiras não-tarifárias.

Ter um diplomata consciente dos dilemas do Brasil, bem treinado e respeitado internacionalmente, é um ativo importante para o governo brasileiro, que terá de mostrar capacidade de aproveitá-lo, sem imaginar que Azevêdo, como funcionário internacional, atenderá a ordens ou desejos exclusivamente de Brasília.