LRF, três letras e suas várias lições

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Autor(es): Por Ribamar Oliveira | De Brasília

A maioria dos brasileiros habituou-se, nos últimos anos, a ouvir e a ler notícias sobre o superávit primário registrado nas contas públicas. Foram informados numerosas vezes que esse superávit é uma espécie de poupança que os governos fazem para pagar uma parcela dos juros de suas dívidas. Mas é quase certo que poucos sabem que até hoje não existe uma metodologia de apuração dos resultados primário e nominal definida pelo Congresso Nacional, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Uma mensagem da Presidência da República propondo essa metodologia dorme nas gavetas do Senado desde agosto de 2000.

Mesmo sem competência legal para isso, foi a Secretaria do Tesouro Nacional quem fixou, por meio de portaria, uma metodologia de apuração do resultado primário a ser seguida por Estados e municípios. E o mais inusitado: o modelo utilizado para os governos estaduais e prefeituras é diferente daquele adotado para a União. Para o primeiro caso, o resultado primário é apurado considerando-se a despesa liquidada. Para o governo federal, o resultado primário é calculado utilizando-se a despesa paga.

A diferença entre os dois regimes é enorme, pois uma despesa liquidada pode ou não ser paga no exercício em que foi realizada. O pagamento pode ser transferido para o ano seguinte, sob a forma de restos a pagar. Assim, quem apura o resultado primário pelo critério de despesa paga tem muito mais margem de manobra.

Essas são algumas das lições do “Curso de Responsabilidade Fiscal”, lançado pela Editora Fórum na semana passada. O autor do livro é Weder de Oliveira, ministro-substituto do Tribunal de Contas da União (TCU), com prefácio do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O livro faz uma análise detalhada da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que entrou em vigor em 2000, relatando as circunstâncias em que foi discutida e votada, o debate ideológico que provocou, acusada por algumas correntes políticas de ser uma espécie de ponta de lança do projeto neoliberal no país e uma imposição do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao governo brasileiro. Essa discussão hoje perdeu o sentido e até mesmo aqueles políticos que votaram contra, atualmente no poder, temem qualquer mudança na lei, mesmo aquelas que possam aperfeiçoá-la.

A LRF tornou-se uma espécie de unanimidade nacional. Mas nem sempre é aquilo que as pessoas acham que é. O livro comenta cada uma das percepções que o público tem da LRF. Muitos garantem, por exemplo, que a lei impede que os governos gastem mais do que arrecadam. Outros acham que foi ela que definiu, pela primeira vez, limites para os gastos com o funcionalismo da União, dos Estados e dos municípios. Outros acreditam que estabelece limites para o endividamento público. Há também aqueles que dizem que a LRF obriga os governantes a prestar contas sobre quanto arrecadam e como gastam, além de resgatar o orçamento público como peça de planejamento e controle.

O livro demonstra os equívocos dessas percepções, que, no entanto, já foram incorporadas como “verdades” naquilo que se poderia chamar de “cultura da responsabilidade fiscal” no Brasil. A LRF, ensina o livro, aprimorou e consolidou normas fiscais já existentes e instituiu outras, para obter o equilíbrio intertemporal das contas públicas. Os objetivos eram reduzir rapidamente o déficit público, assegurar uma disciplina fiscal que evitasse déficits recorrentes e imoderados e estabilizar a relação dívida pública líquida/PIB. Na avaliação da equipe econômica que propôs a LRF, essas eram condições necessárias para consolidar a estabilidade de preços e permitir a retomada do desenvolvimento sustentável.

Como assessor do deputado Pedro Novais, relator do projeto da lei de responsabilidade na Câmara, Oliveira participou das discussões de cada aspecto da LRF. “Lembro-me que o autor era o mais novo dos consultores e logo lhe foi atribuída a tarefa de sistematizar sugestões de emendas e redações, operacionalizar as reuniões técnicas, preparar material legislativo para as audiências públicas e atualizar as sucessivas versões do texto”, recorda Pedro Novais, na apresentação que faz do livro. Ao longo dos últimos 12 anos, Oliveira recolheu informações, documentos e acompanhou todas as polêmicas em torno da LRF.

O autor diz, no livro, que pretendeu apresentar a LRF “como foi pensada, discutida e aprovada pelo Congresso Nacional e pelo presidente da República”. Sua intenção foi “perscrutar como está sendo aplicada e examinar a complexidade de implementação eficaz de seus artigos”. E, sempre que possível, examinar casos concretos.

O livro é também um curso sobre o processo orçamentário brasileiro, apresentando em detalhes todas as normas legais que regem os três instrumentos básicos do peculiar arranjo institucional brasileiro sobre esse tema, no qual convivem, de forma não muito harmoniosa, o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). O constituinte de 1988 estabeleceu uma intricada relação entre essas três leis orçamentárias que, até agora, os administradores públicos não conseguiram levar a bom termo na prática.

Oliveira trata ainda de previsão e arrecadação de receitas, renúncia de receitas, geração de despesas, despesa obrigatória de caráter continuado, além da execução orçamentária, com destaque para o contingenciamento das despesas. Mostra que não há divulgação de informações sobre as programações que foram contingenciadas e diz que nem o Congresso nem a sociedade têm como saber, sem um exame profundo, demorado e especializado de documentos e informações de sistemas de execução orçamentária, qual é a programação que está sendo posta em execução e a que não está. “A publicidade dada na discussão e sanção da lei desaparece durante a execução”, constata.

A peculiaridade deste livro reside no fato de que as normas legais e os conceitos fiscais são apresentados, analisados em detalhes, criticados e confrontados com suas aplicações práticas. O autor ainda aponta sugestões de aperfeiçoamento. O livro é imprescindível para estudantes, especialistas e para aqueles que desejam conhecer o processo orçamentário brasileiro.

“Curso de Responsabilidade Fiscal – Direito, Orçamento e Finanças Públicas”

Weder de Oliveira. Editora: Forum. 1.175 págs., R$ 196,00