Eficiência e política, uma só receita

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Autor(es): Por Fernando Exman | De Brasília

Em reunião convocada para analisar os indicadores do programa SOS Emergência, a presidente Dilma Rousseff interrompeu a apresentação que lhe era feita e pediu para a cúpula do Ministério da Saúde entrar imediatamente em contato com a direção de um dos hospitais que estavam em avaliação para entrar no programa. Dilma queria saber por que uma mulher continuava sentada numa sala de espera desde o início da reunião. Ela era filmada por uma das câmeras instaladas nos principais hospitais e aeroportos do país, e sua imagem era transmitida a um telão instalado no Palácio do Planalto e para os tablets dos gestores com acesso ao sistema de monitoramento criado pelo governo federal.

O retorno logo veio: a mulher já havia sido atendida pelo hospital, mas o familiar que deveria buscá-la estava atrasado. A presidente retomou a reunião, e a história passou a ser contada no Palácio do Planalto como um exemplo da fixação de Dilma por informações gerenciais que levem o Executivo a melhorar a qualidade dos serviços prestados e deem curso efetivo aos programas prioritários do governo.

Dilma prometeu melhorar a qualidade do gasto público em discurso que fez no dia de sua posse. Cerca de cinco meses depois, anunciou a criação de uma Câmara de Gestão, que contaria com a presença de empresários e seria presidida pelo presidente do conselho de administração do grupo Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter. O Movimento Brasil Competitivo (MBC), organização não governamental financiada pelo setor produtivo que já ajudara Estados e municípios a melhorar seus mecanismos de gestão, foi procurado e aderiu à iniciativa com a ajuda de consultorias privadas. O Sistema Informatizado de Monitoramento da Presidência da República (SIM-PR) é resultado desse esforço.

“Estamos construindo, no governo, uma cultura de monitoramento, estabelecimento de prazos, metas e resultados”, disse ao Valor a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. “É uma obsessão nossa e os ministérios também estão fazendo isso, porque querem ser avaliados pelos seus desempenhos. Eles estão criando sistemas de monitoramento. Hoje, temos sistemas estruturados nos ministérios do Turismo, Esporte e Cultura. Estamos implementando nos ministérios das Comunicações e Trabalho, para monitorar convênios e contratos e acompanhar resultados.”

Os trabalhos da Câmara de Gestão ganharam fôlego depois que o ex-ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, deixou o governo. Palocci, que concentrava a articulação política do governo, foi substituído pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) depois de denúncias sobre irregularidades na evolução de seu patrimônio. Dilma deu a Gleisi a missão de recolocar a Casa Civil no centro da gestão das ações do Executivo.

Desde então, Gleisi e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, procuram implementar no governo federal os principais pilares da boa gestão pública: definição de metas, formação e medição do desempenho de pessoal, meritocracia e monitoramento de resultados. Críticos do governo Dilma e do PT, entretanto, sustentam que o Executivo está longe de alcançar tais objetivos. São alvos preferenciais o que se entende como aparelhamento político da máquina pública, o desempenho do Programa de Aceleração do Crescimento e o ritmo, considerado lento, dos investimentos públicos em geral.

Segundo a organização não governamental Contas Abertas, que acompanha a administração pública, a execução do PAC registra aceleração desde o ano passado e fechou o primeiro quadrimestre de 2013 com a maior execução orçamentária para o período, desde seu lançamento. Nos quatro primeiros meses deste ano, foram executados 20,5% de um total de R$ 75 bilhões, aproximadamente, autorizados do orçamento da União para o PAC. O programa Minha Casa, Minha Vida foi o principal beneficiário. Nos cálculos da ONG, R$ 6,1 bilhões do que foi executado referiam-se a transferências ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), relacionado ao programa habitacional. O montante corresponde a 39,6% do desembolso total do chamado PAC Orçamentário. A maior parte das verbas liberadas decorre de restos a pagar, compromissos assumidos em anos anteriores que não foram quitados pelo governo.

Os críticos rebatem: os recursos do Minha Casa, Minha Vida não deveriam ser contabilizados como PAC, por se tratar de financiamentos e subsídios federais, e não investimentos. Desde 2009, R$ 153,6 bilhões foram desembolsados pelo governo federal no âmbito do programa habitacional, sendo R$ 68,3 bilhões em subsídios e R$ 85,3 bilhões em financiamentos. O Minha Casa, Minha Vida já entregou 1,1 milhão de moradias e contratou a construção de mais 1,3 milhão de unidades.

Para o governo federal, tais críticas se explicam no contexto das disputas políticas, quando não decorrem de falta de informação ou má-fé. “No caso do PAC, não é que a gente mudou o pneu com o carro andando. A gente mudou o motor com o carro andando”, afirmou ao Valor a ministra do Planejamento, Miriam Belchior. Em suas anotações, a execução do PAC 1 chega a 94% e a do PAC 2 ultrapassa 50%. Autoridades do governo sustentam que o Programa de Aceleração do Crescimento foi criado para suprir uma carência de planejamento de que o setor de infraestrutura sofria há 30 anos.

Além do PAC, o Ministério do Planejamento é responsável por outras iniciativas em que tem como meta a melhoria de gestão e o aumento da competitividade. Coordena a elaboração, por exemplo, de um projeto que reduzirá a burocracia, para permitir a abertura de alguns tipos de empresas em 48 horas. O piloto será lançado no Distrito Federal. “Vamos começando pelas [iniciativas] mais simples, mas trabalhando em etapas, para conseguir melhorar”, disse a ministra.

O Ministério também trabalha para simplificar os sistemas de recolhimento da Receita Federal, Previdência Social e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Atualmente, uma empresa precisa entrar em vários sites para quitar suas pendências. A ideia do governo é “empacotar tudo” e facilitar a vida do empresário. Trata-se de “reduzir esse custo das empresas, simplificando e tornando menos burocráticas as exigências, como a de que tenha que apresentar uma certidão do que nós [governo] temos. É um absurdo. Não tem que apresentar certidão, se eu já tenho aqui os meus sistemas. Por que o cidadão tem que me apresentar a certidão? Nós é que temos que consultar os sistemas”, disse a ministra.

O comércio exterior é outra preocupação do governo. Depois de desenvolver o Porto Sem Papel, que busca reduzir a burocracia nos terminais portuários, o Executivo prepara o lançamento de um portal, na internet, com oferta de instrumentos que permitirão diminuir o tempo de permanência das cargas nos portos.

Em outra frente, a administração tem o propósito de aprimorar o uso do dinheiro público. O Ministério do Planejamento realiza desde 2011 uma “revisão geral” da folha de pagamentos. A medida tem como objetivo evitar fraudes por meio de um melhor cruzamento de dados, para impedir que funcionários tenham vínculos com Estados, mortos recebam salários ou servidores aposentados por invalidez passem em novos concursos públicos. O atual sistema de folha de pagamentos, criado em 1980, será substituído.

Esse trabalho de cruzamento de dados para combate a fraudes e erros na folha de pagamento levou o governo a evitar perdas de R$ 700 milhões por ano. Outros R$ 176 milhões pagos indevidamente (sem que houvesse má-fé por parte dos servidores) foram identificados e estão sendo restituídos aos cofres públicos.

O Planejamento também trabalha para reduzir os gastos de custeio do governo federal, cujo crescimento é frequentemente atacado pela oposição e setores do mercado financeiro. Seguindo o projeto Esplanada Sustentável, cada ministério estabeleceu para 2013 metas de redução de custos administrativos de aproximadamente 9%. Se o objetivo for alcançado, o Executivo poupará R$ 1 bilhão. A ideia é que esses recursos sejam usados pelos ministérios para o investimento em iniciativas que reduzam ainda mais os gastos desnecessários, como já aconteceu com a implantação de sistemas de videoconferência, que possibilitam a redução de despesas com passagens aéreas e diárias.

“Para nós, eficiência da gestão não tem apenas o componente fiscal. O componente fiscal é importante, mas nossa preocupação é muito mais em garantir melhores serviços à população. Os eventuais ganhos de recursos devem ser devolvidos à sociedade – seja com desoneração, como a gente está fazendo, seja com melhoria de outras políticas públicas”, comentou Miriam. “Não é simplesmente a economia [de recursos] em si que nos move. A economia é importante, mas tem que estar vinculada [a medidas], para melhorar a vida da sociedade como um todo.”

O Planejamento espera muito da criação de uma central de compras. “Hoje, cada ministério faz suas compras de maneira independente. Nossa ideia é [nas compras de bens e serviços de uso comum] usar o poder de compra do governo”, disse a ministra. Inicialmente, serão conduzidas dessa forma as aquisições de serviços de telefonia fixa e móvel, redes de computadores, computadores, passagens, material de escritório, além da contratação de serviços de limpeza e conservação. “Vamos instituir essa central de compras em etapas. Já temos todo um cronograma, deste ano até o começo do ano que vem, de produtos que vão ser comprados de maneira compartilhada.”

O governo quer que cada órgão ou ministério tenha um planejamento estratégico. Em 2011, esse trabalho começou com áreas consideradas prioritárias, como os ministérios dos Transportes, Saúde e Justiça, além dos órgãos ligados à aviação civil. As demais pastas começaram a fazer o mesmo em 2012, e o governo passou a tentar identificar os processos de trabalho que precisam ser melhorados e simplificados. No Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), por exemplo, a medição de uma obra passava por 47 mesas. Agora, diz Miriam, o processo tramita de forma eletrônica e depende do aval de nove pessoas. “O salto que queremos dar agora é exatamente a vinculação das gratificações por desempenho ao planejamento estratégico e metas de cada órgão.”

A ministra rechaça as críticas de que os governos petistas ignoram a meritocracia, por causa da ampliação do número de indicações políticas no Executivo, dando-se prioridade ao aparelhamento da máquina. Ela lembra que foi o ex-presidente Lula quem estabeleceu um piso para nomeação de funcionários de carreira em cargos de confiança de nível médio. “É possível que a meritocracia e a direção política eleita a cada quatro anos convivam de maneira produtiva. O melhor para a democracia e para o setor público é ter um servidor capaz e eficiente. Mas, a cada quatro anos, a população escolhe o que quer do governo e uma linha. E isso também precisa orientar a máquina pública.”

A Casa Civil, por sua vez, busca cumprir a missão dada pela presidente Dilma de dar curso aos programas prioritários do governo. Uma equipe coordenada pelo subchefe de Articulação e Monitoramento da Pasta, Luís Antônio Padilha, acompanha o andamento das ações consideradas estratégicas, por meio do sistema de monitoramento instalado no Palácio do Planalto.

O SIM-PR reúne informações de 41 projetos de 11 áreas, como o Minha Casa, Minha Vida, SOS Emergência, obras ligadas à Copa de 2014 e à Olimpíada de 2016, a situação dos principais aeroportos do país, o Plano Nacional de Banda Larga, as ações para combater a seca e o crack, além de obras de infraestrutura logística. Alguns desses projetos já estão em fase de execução. Outros ainda passam pelo processo de análise de consistência, as “sessões de espancamento”, frequentemente conduzidas pela própria presidente. É nessa etapa que o governo busca construir sinergias entre os ministérios, avalia riscos de execução, fixa metas e estabelece prazos.

Depois que é lançado, o programa passa a ser tema de reuniões periódicas de monitoramento. Indicadores são analisados pelos gestores, que também vão a campo verificar a situação das obras. Na opinião de Padilha, essa “pressão suave” impede uma queda do “nível de comprometimento” dos executores de cada ação.

Em novembro de 2012, por exemplo, depois que foi detectada uma desaceleração do ritmo de execução do Minha Casa, Minha Vida, por causa de um aumento de custos no setor da construção, o governo fez um reajuste de preços, e levou o gráfico que indica as metas do programa a convergir de novo com o que aponta o andamento das obras.

Em ação semelhante, técnicos perceberam que a construção do estádio de Brasília estava ameaçada pela demora na liberação alfandegária da estrutura da cobertura. O material, importado, estava parado num porto, e agilizou-se seu transporte até a capital federal depois que o Ministério da Fazenda foi acionado.

Os técnicos da Casa Civil entregam semanalmente a Gleisi Hoffmann um relatório com problemas a resolver. A ministra então telefona ou se reúne com os ministros e técnicos responsáveis pelos projetos em questão. “Não pode cair na burocracia ou ter um tratamento burocrático. O problema tem que ser resolvido em tempo real. Isso garante que as coisas funcionem, e ainda assim temos dificuldades”, disse a ministra.

A cultura burocrática da máquina pública federal é justamente uma das maiores preocupações de Gleisi. “Não são poucas as vezes que a gente escuta que algo está no jurídico, no Tribunal de Contas ou tem relatório da CGU [Controladoria-Geral da União]. Aí, você fica olhando para a pessoa, a pessoa fica olhando e você diz: “E daí? Você fez o quê? Alguém passou a mão no telefone e sentou para ver qual era o problema? Discutiu para resolver?””

Na avaliação de Gleisi, o governo e a Câmara de Gestão ainda precisam discutir mudanças legais que permitam a modernização do funcionamento da máquina, a melhora da gestão de pessoal e de compras públicas. Ela também fala em mais empenho para se avançar nos debates sobre parcerias público-privadas (PPPs) na área de saneamento, assunto que está em pauta desde o governo Lula e ainda não teve efeitos práticos.

O resultado dessas discussões e do acompanhamento da execução das ações do governo são alguns dos fatores que determinarão o sucesso da imagem de Dilma Rousseff como gestora, num momento em que a qualidade da administração pública tende a permanecer na agenda nacional, com vistas às eleições de 2014.