Mercado vê Selic em alta, mas política fiscal perturba
Autor(es): Por Angela Bittencourt e Lucinda Pinto | De São Paulo
O Banco Central ganhou pontos junto ao mercado ao tomar a decisão de elevar a Selic em 0,5 ponto percentual, para 8% ao ano, mesmo diante da constatação de que a atividade fraquejou no primeiro trimestre. A surpresa anunciada na última reunião e, sobretudo, o discurso muito mais focado na inflação, convenceram o mercado de que o BC está disposto a ir além com o ciclo de aperto monetário. Mas, nem de longe, existe convicção de que essa nova postura faça parte de uma ação coordenada, capaz de colocar os preços de volta à rota da meta. Analistas veem o caráter ainda expansionista da política fiscal como fator de inquietação, que pode anular os efeitos da alta de juros. Isso ajuda a explicar a dificuldade em se traçar um cenário para o rumo dos juros e, principalmente, limita o efeito esperado do aperto monetário sobre a inflação.
Agentes conseguem traçar apenas uma visão de curtíssimo prazo, apesar das apostas renovadas em mais aperto monetário. Há consenso apenas para a próxima decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), em 10 de julho. A partir daí a dispersão das projeções é crescente, confirmando o cenário de instabilidade. Um elenco de 22 analistas foi consultado pelo Valor e os prognósticos para a taxa básica em dezembro variam de 8,75% a 9,5% ao ano, com maior concentração das apostas em 9%. O dissenso aumenta quando o alvo é a taxa Selic ao fim de 2014. Nesse caso, as estimativas vão de 8,25% a 10,25% ao ano.
A inquietação do mercado com a política fiscal é um fato. Mas o economista-chefe do Banco J. Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, alerta que a sinalização de maior compromisso fiscal do governo que o mercado tanto espera foi dada. Ao perseguir meta de superávit primário de 2,3% do PIB este ano, indicação dada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, na semana passada, o governo indica que a União compensará o superávit de Estados e Municípios, caso eles não façam a sua parte. Há semanas, estava decidido que a União cumpriria apenas sua parte no superávit do setor público, de 1,35% do PIB. Mas se o governo agora persegue 2,3% do PIB, está admitindo a cobertura da parcela dos Estados e Municípios, contando com receitas maiores e adicionais, ainda sem previsões claras, e não deve escapar do contingenciamento adicional do Orçamento e corte de gastos de custeio. A hipótese de trabalho de Kawall, contemplando aperto fiscal maior, não interfere em sua projeção para a Selic, de 9,5% em dezembro deste ano e 10% em dezembro de 2014.
Gabriel Gersztein, estrategista-chefe da Icap Brasil e especialista em modelagem econométrica, é um dos poucos analistas que consideram a possibilidade de redução da Selic em 2014, de 9% no fechamento de 2013 para 8,25% em dezembro do ano que vem. Ele entende que a Selic deve atingir sua variação máxima entre o final de 2013 e o primeiro trimestre de 2014. “Selic de 9% ou 9,75% vai trazer a inflação a um patamar mais confortável, o que abre espaço para a retomada do corte do juro. Como a taxa básica obedece a ciclos, é improvável sua estabilidade por 12 meses, inclusive, porque ao mesmo tempo em que o BC estará promovendo o ajuste do juro nominal, o juro real estará subindo e com repercussão na atividade e no poder de compra da população.”
O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, também contempla Selic em declínio em 2014, de 9% para 8,5%, por ver a atividade indo de mal a pior e tirando de cena o último fundamento que justifica a inflação pressionada. A atividade mais fraca afetará o mercado de trabalho e o poder de compra do brasileiro.
“O atual ciclo de alta do juro, que pode até chegar em 9,5% até dezembro, deve atuar como estabilizador de expectativas. Do ponto de vista da inércia inflacionária, a perspectiva também é de arrefecimento, inclusive, porque nesse cenário já estamos convivendo com salário mínimo menor. A combinação de expectativas reorientadas e desaceleração da demanda produzirão efeito sobre a inflação. O comportamento do câmbio pode vir a atrapalhar, mas com os preços das commodities despencando – muito em função das perspectivas para a economia chinesa – o efeito do câmbio tende a ser compensado”, afirma.
Gonçalves avalia que as expectativas inflacionárias devem ficar razoavelmente claras entre setembro e outubro, viabilizando a reversão da Selic entre março e junho de 2014. Esse ciclo de aperto monetário bem claro e pontuado não garante, porém, queda livre da inflação. “A inflação está oscilando em torno de 6,5% e não é simples ou rápido a retomada de uma trajetória de queda. Muito vai depender da percepção do ritmo de desaceleração da atividade e dos preços internacionais das commodities que afetará a taxa de câmbio, além do resultado de convenções salariais de importantes categorias, com destaque para petroleiros e bancários. Ainda que essas categorias não tenham aumento real de salário significativo, não se deve ignorar seu peso e influência junto à opinião pública e formadores de opinião.”
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, para quem não há perspectiva de melhora na inflação, acredita que a Selic deve subir a 9,5% e por aí ficar até 2014. “A piora recente do câmbio, combinada a um cenário de preços agrícolas nada tranquilo, impõe resistência à inflação. Não contamos com queda forte desses preços nos próximos meses. Manter a perspectiva de inflação de 6% neste ano e 6,5% para o ano que vem apenas fará com que o governo tente sinalizar que está mais preocupado com a inflação, como ocorreu com o BC na última ata do Copom que não diz nada de relevante”, comenta Vale. O economista entende que permanece a questão: mudar o cenário de inflação para 4,5% significa que os juros teriam que subir para bem mais do que 9,5%, para algo como 12%. Mas para a MB Associados, 9,5% parece ser hoje o limite tolerável da presidente Dilma Rousseff e que o Copom acreditaria piamente que ajudaria no controle da inflação em 2014, “errando mais uma vez sua avaliação”.