Os gastos sigilosos do governo
O governo vem dificultando, nos últimos anos, a transparência e a fiscalização de seus gastos. As despesas sigilosas realizadas com cartões corporativos desde 2007, quando começou o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, eram de 20,9% do total. Na gestão de Dilma Rousseff o percentual do sigilo do governo mais que dobrou, superando a marca dos 50% de tudo o que é gasto anualmente por todos os ministérios. Na rubrica de confidenciais estão os serviços pagos pela Agência Brasileira de Inteligência, pela Polícia Federal e, principalmente, pelo gabinete pessoal da Presidência da República, que decretou sigilo em mais de 98% das compras realizadas. A prerrogativa de manter em segredo informações do Poder Público é exclusiva para casos em que a publicidade dos dados coloque em risco a segurança nacional. Entretanto, desde que assumiu o poder, praticamente todas as despesas com diárias, compras de mantimentos, roupas e locomoção realizadas para Dilma Rousseff estão protegidas. No primeiro bimestre deste ano, os registros de gastos não divulgados com cartões corporativos do seu gabinete aumentaram 33% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto a despesa geral de todo o governo subiu apenas 4,5%, um percentual compatível com a inflação do período.
O antecessor de Dilma, o ex-presidente Lula, tornou-se adepto do sigilo depois que seu governo foi denunciado, em 2008, pelo uso indevido que ministros e funcionários faziam dos cartões. Antes das denúncias, Lula mantinha a média de 82% das suas despesas em caráter sigiloso. Foi aumentando a partir de 2009 e atingiu 99% em 2010, patamar médio que foi mantido pelo gabinete de Dilma desde então. Hoje, 98,5% das despesas feitas pelo seu gabinete estão protegidas. Em 2013, 2012 e 2011 o índice das despesas protegidas efetuadas pelo gabinete da presidenta ficou em 99%.
Considerando tudo o que foi gasto pela Esplanada dos Ministérios nos dois primeiros meses deste ano, um total de R$ 6,9 milhões, 54%, ou R$ 3,8 milhões, levaram a rubrica de sigiloso. No ano passado, o percentual de confidencialidade dos gastos do governo todo com os cartões corporativos foi de 44,6%. Em 2010, quando Lula iniciou seu último ano de mandato, o percentual de segredo das despesas com os cartões foi de 39,6%, mesmo depois da queda de ministros e do desgaste sofrido com uma CPI dois anos antes. A CPI, na ocasião, expôs as fragilidades na fiscalização dos órgãos de controle. O governo petista chegou a prometer a órgãos como TCU e Ministério Público que disciplinaria esses gastos. Entretanto, uma análise sobre prestação de contas desses cartões desde então mostra que o que houve foi apenas a migração dos gastos públicos para a rubrica de sigiloso.
Outra estratégia foi a redução do número e do poder dos ecônomos, nome técnico dos funcionários autorizados a realizar despesas com cartões corporativos. No primeiro mandato de Lula, eram 22 pessoas no gabinete presidencial aptas a fazer compras em nome do presidente. No ano seguinte esse número subiu para 36, mas foi caindo gradativamente, até que apenas quatro funcionários permaneceram com a prerrogativa. A redução do número de ecônomos foi inversamente proporcional aos registros de gastos sigilosos. Não por acaso. Depois da CPI dos cartões corporativos, os nomes desses funcionários se tornaram conhecidos e seus CPFs passaram a constar no sistema da Controladoria-Geral da União junto aos detalhes das compras realizadas.
A consequência disso pode ser notada nas contas da gestão de Dilma Rousseff deste ano. Os ordenadores de despesas realizaram até agora apenas compras irrelevantes, a maioria inferior a R$ 200. Grande parte dos gastos tornados públicos foi realizada em postos de gasolina. As despesas relevantes – R$ 1.013.459,93 do R$ 1.027.432,09 gasto pela Presidência da República – não são conhecidas por estarem cobertas pelo sigilo.