Prerrogativa de foro: o feitiço contra o feiticeiro

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O foro por prerrogativa de função pode estar com os dias contados, porque começa a ficar desinteressante para os deputados e senadores o julgamento, em instância única, no Supremo Tribunal Federal (STF). Duas mudanças legais estão provocando a desilusão de certos parlamentares com o chamado “foro privilegiado”.

A primeira mudança, instituída pela Emenda Constitucional 35, que alterou os parágrafos 3º e 4º do art. 53 da Constituição, acabou com a necessidade de autorização prévia da casa legislativa para abertura de processo contra deputado ou senador junto ao Supremo.

Segundo a nova regra constitucional, recebida a denúncia contra deputado ou senador, por crime corrido após a diplomação, o STF dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria absoluta de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. Isso inverte a regra anterior, que condicionava a abertura do processo à autorização da Casa legislativa.

Se antes a impunidade era evidente, com a abertura automática do processo, o risco de punição aumentou muito, especialmente após as mudanças na composição do tribunal, a partir da posse do presidente Lula, que nomeou juristas independentes.

Desde 2001, quando entrou em vigor a mudança constitucional, já houve vários julgamentos que resultaram em prisão ou perda de mandato, além da renúncia de parlamentares ou a desistência de alguns de disputar a reeleição para fugir do julgamento do STF.

A celeridade no julgamento é fundamental e ajuda no combate à impunidade, mas os critérios para julgamento têm que ser isonômicos e não seletivos, como ocorreu recentemente com a Ação Penal 470.

A segunda mudança, que poderá acelerar o julgamento dos processos, foi a alteração do regimento interno do STF, que transferiu do plenário, cujos julgamentos eram feitos com transmissão ao vivo pela televisão, para uma das duas turmas do tribunal o julgamento de parlamentares e outras autoridades, inclusive como forma de desafogar o plenário.

O ideal, entretanto, seria a extinção do foro privilegiado, mas sem o retorno dos processos para a Justiça estadual de uma das unidades da federação, com duplo grau de jurisdição, como ocorre atualmente com os casos não julgados pelo STF após o término do mandato do parlamentar. Esse sistema, além de não uniformizar os critérios de julgamentos, poderia tornar a autoridade pública sujeita a má-fé ou oportunismo político.

O ministro Luiz Roberto Barroso, que propôs a mudança no regimento interno do STF, tem uma proposta que parece interessante para o fim do foro por prerrogativa de função. Conforme sua proposta, deve ser criada uma vara federal de primeiro grau, com juiz titular escolhido pelo STF, com mandato de quatro anos e apoiado por tantos juízes auxiliares quantos forem necessários, para cuidar desses julgamentos. Das decisões dessa vara especializada caberiam recursos ordinários diretamente para o STF ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme a autoridade.

Essa solução, que depende de alteração constitucional, teria a vantagem de poupar o STF do papel de investigar ou produzir provas e analisar questões de fato, acelerando uma decisão sobre o processo, além de retirar o julgamento da área de influência do interessado.

Mas não é essa a motivação dos parlamentares para a extinção do foro privilegiado. Eles querem garantir a impunidade, com a prescrição dos crimes pelos reiterados recursos protelatórios nas diversas instâncias judiciais.

Por fim, não se deve confundir o foro privilegiado com o direito do parlamentar de não ser preso salvo em flagrante ou de crime inafiançável. Nem com a imunidade parlamentar, que consiste na garantia de inviolabilidade, civil e penal, do deputado e senador por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato.

 

(*) Jornalista, analista político e diretor de documentação do Diap.