Julgar contas é assunto da sua conta:: Leonel Munhoz Coimbra

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A atribuição de fiscalizar a gestão e julgar as contas públicas pode parecer, para algumas pessoas, atividade complexa que não desperta o interesse da maioria da população.

De fato, essa percepção pode ter sido adequada no passado, mas, hoje, se apresenta ultrapassada.

Desde o advento da Constituição de 1988, aos tribunais de contas, em particular ao Tribunal de Contas da União (TCU), foram atribuídas competências ampliadas para auxiliar o Poder Legislativo no exercício de sua atribuição originária: autorizar o gasto e depois acompanhar e fiscalizar o que é feito pelo governo com os tributos arrecadados da população.

É preciso reconhecer que boa parte das esperanças despertadas com a Constituição de 1988 ainda não se consolidou em conquistas perenes, capazes de assegurar o bem-estar da população.

 

Por seu lado, é inegável que cresce a cada dia o senso da obrigação de os governantes e gestores da coisa pública prestarem esclarecimentos sobre o que é feito com os recursos que estão sob a sua guarda. E sempre que houver malversação de recursos públicos, a necessária punição dos responsáveis.

A população ainda assiste à repetição de erros do passado, e mais do que lamentar as obras inacabadas, abandonadas ou de duvidosa serventia, clama estarrecida contra o desperdício de oportunidades que poderiam ter sido aproveitadas para a superação definitiva de várias carências históricas do país.

Neste momento, talvez mais do que em qualquer outro, a maioria da população, ordeira e que rejeita a violência como forma aceitável para exprimir a insatisfação com esse estado de coisas, volta os olhos para os órgãos de controle, em especial para os tribunais de contas, à espera de sinais de que algo pode e está sendo feito a respeito.

Assim, adquire ainda maior importância o processo de indicação e escolha daqueles que recebem a missão institucional de fiscalizar e julgar contas públicas.

Ainda que sujeitos às mesmas fragilidades de qualquer pessoa, esses julgadores encontram-se alçados a um patamar de exigência superior, pois a eles compete julgar e, quando necessário, punir aqueles que não foram capazes de, não só, gerir com competência o dinheiro que o povo lhes confiou, mas de conduzir-se no caminho reto da probidade.

Episódio recente causou espanto e gerou as mais diversas formas de reação na sociedade, quando da indicação de parlamentar envolvido em várias e graves denúncias e, mesmo, como se revelou após a indicação, condenado em primeira e segunda instância por haver incorrido em lesão ao patrimônio público.

Ainda que uma saudável afirmação da cidadania, o desfecho do episódio acarretou mais um desgaste ao parlamento e à classe política perante a opinião pública, especialmente a partir da revelação de que a escolha ocorrera em segredo e a condução ao cargo seria feita em rito sumaríssimo.

Se o processo hoje existente pode resultar em indicações deliberadas em segredo e recair sobre pessoas com reputação questionável, então o processo deve ser revisto. A Constituição Federal já estabelece de forma cristalina quais os requisitos a serem atendidos pelos postulantes ao cargo de ministro da Corte de Contas. Entretanto, os procedimentos para indicação e escolha, estabelecidos por decreto legislativo, há mais de 20 anos, necessitam ser reexaminados para fins de seu aperfeiçoamento democrático.

Os auditores do TCU apresentaram requerimento para que tais procedimentos (estabelecidos pelos Decretos Legislativos nº 6/1993 e nº 18/1994), hoje anacrônicos na ordem democrática, possam ser revistos.

A revisão cuidadosa é imperativo que se impõe, para que não restem quaisquer dúvidas à sociedade brasileira de que o processo de indicação é capaz de assegurar que os indicados atendem a todos os requisitos constitucionais que devem qualificar os postulantes ao cargo de membro do TCU.

Consideramos ser urgente e necessário que o Congresso Nacional, desde já, propicie a ampla e aberta discussão dos procedimentos de indicação e escolha de ministros para o TCU, mediante amplo debate com a sociedade. Em debate público, não a portas fechadas. Muito menos em segredo. Pois nada melhor para dar início ao aperfeiçoamento democrático, do que abrir portas e janelas e deixar a luz do Sol entrar. Porque a população brasileira já percebeu que julgar contas é assunto da sua conta.

** Leonel Munhoz Coimbra é Auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) e presidente da União dos Auditores Federais de Controle Externo (Auditar)