Para crescer, boa gestão pesa mais que dinheiro

151

Autor(es): Por Andrea Vialli | Para o Valor, de São Paulo

Valor Econômico – 24/10/2012

 

 

Dar escala aos projetos sociais e beneficiar um número maior de pessoas não depende apenas de recursos financeiros, como muitas ONGs e organizações sociais podem pensar. A questão central é trabalhar a gestão dos projetos e planejar minuciosamente sua expansão. Assim pensa o economista e consultor Richard Kohl, especialista na chamada “escalabilidade” (scaling up, em inglês) de programas sociais. Ex-economista da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e doutor pela Universidade de Berkeley, na Califórnia, Kohl desenvolveu uma espécie de caminho das pedras para que as organizações sociais sejam bem-sucedidas em dar escala a seus projetos. O roteiro inclui planejamento dos diversos passos (implantar um piloto, planejar a expansão e, só depois, colocá-la em prática).

Kohl trabalhou em 30 países aplicando essa metodologia. Em setembro, veio ao Brasil pela primeira vez, recrutado para prestar dois serviços: um é para a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, que tem projetos sociais na área de primeira infância em quatro municípios paulistas e agora firmou convênio com prefeituras para expandir os projetos para outros 47. De passagem pela cidade, Kohl falou ao Valor.

Valor: O sr. desenvolveu uma metodologia para assessorar as organizações sociais no processo de expansão de suas atividades. No que consiste seu método?

Richard Kohl: Organizações são como indivíduos. Às vezes funcionam, outras vezes não. Na minha experiência trabalhando com mais de 30 países pobres e em desenvolvimento, a diferença entre um país pobre e um país rico não é a tecnologia, não são as pessoas, é a eficiência das instituições. Então decidi que passaria o resto da minha vida trabalhando para tornar as organizações mais eficientes. Esse é o propósito. Se você tem uma organização e não quer dar escala aos seus projetos, para que serve então? Qual é seu propósito? Meu método consiste em assegurar que as iniciativas piloto cresçam a partir de um planejamento cuidadoso.

Valor: Sua vinda ao Brasil está ligada a ajudar organizações sociais com seu método. Quais os principais objetivos de curto prazo?

Kohl: Vim ao Brasil para fazer basicamente duas coisas: para ajudar a estratégia de escalabilidade do programa PIM (Primeira Infância Melhor), que já é muito bem-sucedido no Rio Grande do Sul. Também estou comprometido com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, para dar escala a projetos também na área de primeira infância, só que no estado de São Paulo; vou ajudar as equipes a expandir as atividades para mais de 40 municípios.

Valor: Pelo que viu até agora, quais são as diferenças de trabalhar no Brasil e em outros países com grandes problemas sociais?

Kohl: Há muitas diferenças. Há muita corrupção na Índia, por exemplo. Não que não exista no Brasil, aliás, a corrupção existe no mundo todo, os EUA são um exemplo. Mas há países em que você não consegue fazer absolutamente nada, porque o dinheiro se perde, as instituições públicas não funcionam. Fiquei muito bem impressionado com o Brasil. Eu encontrei mais de 20 pessoas ligadas ao Ministério da Saúde, todas trabalhando de forma muito árdua. Minha impressão sobre o Brasil é de que o setor público e as instituições têm pessoas muito comprometidas com o trabalho.

Valor: Quais foram suas primeiras recomendações para seus clientes no Brasil?

Kohl: Nos dois trabalhos, tenho dito que o passo mais importante na hora de dar escala aos projetos é começar pela sensibilização, que significa engajar todas as pessoas, todos os stakeholders para entender o que querem fazer com o projeto. É plantar uma semente para que todos os participantes se sintam parte importante daquele trabalho. Fazer com que pais, professores, enfermeiros, médicos, todos se sintam parte daquilo, esse é o primeiro passo. Sem isso, não há sustentabilidade institucional. Mas fiquei impressionado com o nível de sofisticação das ONGs brasileiras. O nível dos profissionais é muito bom. Há lugares em que você não consegue introduzir nenhuma inovação na gestão das ONGs porque o nível médio das pessoas que trabalham nos projetos é muito, muito baixo. Os projetos que vi aqui estão num nível sofisticado, criando conhecimentos que podem servir para outras organizações. Não existe solução única para dar escala a projetos sociais, ainda mais em países continentais, como o Brasil.

Valor: Poderia dar alguns exemplos de projetos que foram bem-sucedidos em ganhar escala?

Kohl: Minha definição de sucesso é não esperar o melhor resultado do mundo, mas esperar o melhor que uma instituição mediana poderá oferecer. Provavelmente um dos projetos mais bem-sucedidos no qual já trabalhei foi na Índia, que ajudou a reduzir a mortalidade infantil em 75%. Eles quiseram dar escala, e me chamaram para ajudar. Trabalhávamos com 30 vilarejos, e, quando deixei o projeto, há um ano e meio, já beneficiava 500 mil pessoas. Isso é dar escala. Na Índia, os números são enormes. Nesse caso, foi bem-sucedido porque todos se envolveram, os ativistas locais, órgãos públicos, fundações. Um dos maiores erros que as pessoas cometem quando querem dar escala é achar que o problema é dinheiro.

Valor: E não é?

Kohl: Dinheiro não é a principal questão, embora a sustentabilidade financeira de um projeto seja importante. Na Índia, o governo federal dá dinheiro às províncias, mas elas mal conseguem investir esses recursos e o governo acaba tomando-o de volta. Eles não sabem o que fazer, não têm as políticas certas. As pessoas no mundo todo reclamam de falta de recursos para seus projetos, mas veja a Nigéria, por exemplo. A Nigéria é um dos países mais ricos do mundo, o problema é que o dinheiro está na mão de poucos e guardado em bancos da Suíça. É um caso de corrupção, mas os problemas são institucionais, não financeiros.

Valor: A crise pela qual os países ricos vêm passando não atrapalhou o fluxo de recursos destinado a projetos sociais e filantrópicos?

Kohl: Muitas ONGs quebraram nos últimos anos, e o governo ficou sem ter como ajudá-las, sem contratá-las. A nova solução, que está emergindo e se tornando muito popular, é o empreendedorismo social, ou seja, o empreendedor que põe a mão na massa para gerar algum valor social. E simultaneamente está muito em voga a atuação da “filantropia de risco” (venture philanthropy). É uma postura filantrópica diferente da tradicional da Fundação Rockfeller, que é o dinheiro que vem das famílias abastadas. Tem essa pegada do capital de risco.