Superávit primário ou juros? :: Amir Khair

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Fonte: O Estado de S.Paulo do dia 23 de outubro de 2011.

 

AMIR KHAIR, MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV, CONSULTOR – O Estado de S.Paulo

 

Um dos principais termômetros sobre as finanças públicas é o resultado entre as receitas e despesas do setor público, conhecido como resultado nominal. Ele considera como despesas o custeio, investimentos e juros. Dá a visão correta da saúde fiscal e se diferencia do denominado resultado primário, que não considera como despesa os juros, o que pode levar a conclusões erradas nas avaliações fiscais, fato comum nas análises de cunho monetarista.

Custeio engloba: salários, obrigações patronais, aposentadorias, pensões, outros benefícios assistenciais, material de consumo, serviços de terceiros, viagens, comunicações, água, energia e encargos diversos. São as despesas para a manutenção e ampliação dos serviços prestados à população. A maior parte dessas despesas vai para a área social. Daí a sua importância.

O investimento engloba: construção e ampliação de creches, escolas, postos de saúde, hospitais, centros de referência de assistência social, centros comunitários, construção e pavimentação de vias, estradas e infraestrutura. O investimento aumenta as despesas de custeio, pois exige manutenção e sofre depreciação.

Os juros dependem do nível de endividamento e da taxa de juros média da dívida pública, também conhecida como taxa de juros implícita. Quanto maior cada uma dessas duas parcelas, maior a despesa com juros.

Para se obter um resultado nominal zero, que corresponde ao equilíbrio fiscal, duas possibilidades se apresentam: a) elevar o superávit primário até alcançar as despesas com juros ou; b) reduzir as despesas com juros até o nível do superávit primário.

1. Superávit primário. É a diferença entre as receitas e despesas exclusive os juros. Esse resultado depende da arrecadação pública e da economia com as despesas de custeio e investimentos. Essas podem ser racionalizadas, permitindo maior realização com os mesmos recursos. A economia obtida deve ser usada para reduzir o elevado déficit social e de infraestrutura.

Para um mesmo superávit primário o bom desempenho da arrecadação atenua o problema da contenção das despesas de custeio e de investimentos. A arrecadação depende fundamentalmente do crescimento econômico, sendo mais do que proporcional a ele para níveis superiores a 4%, quando os contribuintes têm melhores condições de cumprir com suas obrigações tributárias, reduzindo a inadimplência, dando maior arrecadação. O crescimento econômico é poderoso aliado para o equilíbrio fiscal. Atacar a maior arrecadação derivada do crescimento é inócuo e sem sentido.

Historicamente, o superávit primário tem sido de 3,3% do PIB (média 1999 a 2010) e, nos últimos doze meses até agosto, atingiu 3,8% do PIB, superando a meta do ano fixada em 3,1%.

2. Juros. Nos últimos doze meses até agosto atingiram R$ 231 bilhões, ou 5,8% do PIB! É o produto da dívida pela taxa de juros. A dívida no fim de agosto estava em R$ 1,549 bilhão, ou 39,2% do PIB. Os juros em agosto foram de R$ 21,7 bilhões, que corresponderam a uma taxa média de juros de 1,4% ao mês, ou 18,1% ao ano. Na média de 2002 a 2010, essa taxa estava em 14,4% e, neste ano, até agosto, em 17%, por causa da elevação da Selic. Na média internacional, essa taxa é da ordem de 3% para os países desenvolvidos e de 6% para os emergentes, evidenciando a posição anômala do Brasil.

3. Resultado nominal. Nos últimos doze meses até agosto ocorreu um déficit de R$ 81 bilhões, ou 2% do PIB, por causa dos juros de 5,8% do PIB superarem o resultado primário de 3,8% do PIB. Na média dos últimos vinte anos (1991 a 2010), o déficit nominal foi de 5% do PIB, pois a despesa com juros atingiu 7,4% do PIB, superando o superávit primário, que foi de 2,4% do PIB. O déficit obriga à emissão de títulos, elevando a dívida, não importa a origem do tipo de despesa (custeio, investimento ou juros). O que importa é o montante do déficit.

4. Política fiscal. A decisão vai depender do caminho a ser percorrido entre as opções apontadas: elevar o superávit primário ou reduzir a Selic. As análises de cunho monetarista querem a elevação do superávit primário e, os desenvolvimentistas, a redução da Selic.

As vantagens da redução da Selic são muitas, além da economia com juros: a) não artificializa o câmbio, que torna inviável nossa competitividade interna e externa; b) reduz o déficit externo, ao melhorar a balança comercial, reduzir as remessas de lucros e dividendos e as viagens internacionais; c) reduz o custo de carregamento das reservas internacionais, que pode atingir este ano R$ 100 bilhões (!); d) não desestimula o investimento das empresas, muito sensível ao nível da Selic; e) melhora a distribuição da renda e; f) dado seu elevado nível, pode ser reduzido.

A desvantagem de aumentar o superávit primário é agravar ainda mais o elevado déficit social e de infraestrutura. O superávit primário de 3,1% do PIB, meta deste ano, já é um nível elevado nas comparações internacionais, que estão no campo negativo. No extremo oposto está a Selic, que ocupa o mais elevado nível há muitos anos no confronto internacional. Fica claro que a opção da política fiscal é aproximar a Selic do nível internacional. Essa é a principal e verdadeira responsabilidade fiscal.

5. Inflação. O que poderia justificar a manutenção da Selic elevada é o controle da inflação, pois estaria reduzindo a demanda. Ocorre que o que reduz a demanda é a inflação e a taxa de juros para os tomadores de empréstimo. Essa taxa não tem nada a ver com a Selic, dada a grande distância entre elas (34,2 pontos em agosto), e a Selic não altera os principais fatores que compõem a inflação: alimentos, transportes, habitação, preços internacionais, serviços, além de não influir na oferta de crédito e valor das prestações. Serve, no entanto, para desestimular os investimentos e encarecer o capital de giro das empresas, reduzindo a oferta atual e futura. Assim, em vez de atenuar a inflação, a Selic a agrava.

Se a Selic não controla a inflação e traz tantas desvantagens, fica claro que existe um só caminho na política fiscal, que é a redução da Selic. Este é o caminho declarado do governo, que quer a Selic em 9% em 2012 e, seguramente, novas quedas em sequência. Caso consiga atingir seu objetivo, o governo terá os recursos necessários para atender a demanda social, a transferência de renda e a infraestrutura, especialmente nesta fase de preparação da Copa e dos Jogos Olímpicos.

Assim, ao invés de elevar mais ainda o superávit primário para pagar os juros, a solução está em manter o nível do superávit primário até 2014 e promover a definitiva redução das despesas com juros a partir de agora. É o que deveria ter sido feito há vários anos, mas, por equívocos na política econômica, conduzida pelas análises ortodoxas, isso não ocorreu. Chega da gastança com juros estratosféricos. Para o bem do País, é imprescindível que a Selic caminhe rápido (e não no ritmo tímido do Copom) para o nível internacional. Mãos à obra!