BNDES, economia e dívida bruta

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O governo orientou o BNDES a antecipar o pagamento de R$ 100 bilhões dos empréstimos concedidos de 2009 a 2014 pelo Tesouro.

Esses recursos estariam sem uso no banco e sua antecipação economizaria cerca de R$ 7 bilhões ao ano -diferença entre a base dos empréstimos (TJLP) e a Selic, algo como 7% sobre os R$ 100 bilhões. Seria preciso só resolver questões jurídicas.

Diz a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):

“Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:

II – recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação”.

O texto da lei proíbe expressamente a antecipação de valores em geral, o que inclui o pagamento acelerado de dívidas. Uma exceção poderia ocorrer em ato de vontade da empresa, desde que a ela seja benéfico financeiramente, o que não é o caso da antecipação de recursos em TJLP.

Afinal, o objetivo do artigo 37 é evitar que o controlador, por exemplo, para gerar resultados fiscais, abuse do poder de controle de forma lesiva a suas controladas e/ou a seus objetivos estatutários.

Caso o governo transfira ao BNDES o risco jurídico, escudado em um parecer favorável do TCU, o ônus será de seus gestores. O tribunal estaria dando apenas uma interpretação -controversa, ao permitir o que está explicitamente vedado- da LRF, mas é a Justiça que define qual leitura deve ser seguida.

Na ótica financeira, deve-se notar que os recursos do caixa do BNDES são remunerados pela Selic. O custo fiscal é nulo, pois os ganhos retornam ao acionista único do banco, a União, por meio de dividendos e tributos, por exemplo.

Se há recursos ociosos, não há custo fiscal; do contrário, os recursos dão suporte e adicionam investimento.

O BNDES precisaria de R$ 150 bilhões anuais para rodar no mesmo nível de 2008, considerando a atualização pelo IPCA, último ano antes dos repasses do Tesouro.

É também o patamar de desembolsos que o BNDES teria no caso de a taxa de investimento se recuperar para 20% do PIB, como ocorria antes da recessão, e considerando uma participação média do banco de 12% do investimento total.

A carteira de financiamentos do BNDES gera receitas (repagamentos de empréstimos) que, somadas ao caixa e às fontes institucionais, são suficientes para o banco se manter nesse nível e apoiar a recuperação do investimento.

É consenso que a adicionalidade do crédito do BNDES no investimento é maior em recessões, períodos em que o sistema financeiro privado tem maior aversão ao risco.

Resta que o objetivo da antecipação seja só permitir a redução da dívida bruta do setor público, dado o predomínio desse indicador na discussão fiscal local. Ignora-se que tal foco é altamente discutível, pois a análise de solvência requer entender a dinâmica e a composição da dívida líquida, isso é, passivos e ativos.

Não é prudente limitar a tração sobre o investimento das medidas de restauração da confiança apenas para supostamente melhorar a estatística de dívida bruta, sem traduzir mudança real na posição patrimonial da União.

Como alertou o economista Joseph Stiglitz, o ataque ao BNDES somente atrapalha os esforços de recuperação.

 

* Thiago Leone Mitidieri é economista e presidente da Associação dos Funcionários do BNDES

Fonte: Folha de São Paulo